Em tempos de
revolta popular contra o sistema penal que não penaliza o jovem infrator, em tempos que a sociedade brada pelo
tratamento de jovens como adultos e anseia por trancafiá-los em prisões que são
escola do crime, vejo uma palestra de pessoas que tentam honestamente melhorar
as condições do jovem infrator, através de parcerias com a sociedade civil,
oferecendo oportunidade de estudos, emprego e um plano de vida fora do crime.
Hoje participei
de uma palestra organizada pelo Tribunal de Justiça sobre o PIA (plano
individual de atendimento) criado pela lei 12.594/12. Esse atendimento
individual é destinado aos menores infratores quando encaminhados para
cumprimento de medida sócio-educativa.
Tenho a nítida
impressão que tal plano já deveria ter sido criado juntamente com o ECA há
quase 25 anos, mas antes tarde do que nunca. A verdade é que o PIA veio
complementar o ECA na medida em que tenta individualizar as internações
(principalmente) de adolescentes e tenta de fato ressocializá-los, ao invés de
só penalizá-los pelo ato infracional.
Não sei se em
razão da nobre influência que sofri do promotor com quem iniciei minha vida
profissional e que atua na área da infância e juventude, mas ainda hoje tenho
essa esperança de que o jovem infrator pode ser educado e retirado da vida do
crime.
A palestra contou
com profissionais de várias áreas (promotoria, defensoria, magistratura,
secretaria da Fundação Casa...) e foi uníssona ao mostrar o despreparo do
Estado no cumprimento da lei. A cidade de SP tem aproximadamente 6 mil menores
de 18 anos infratores, sendo que quase 3 mil (metade) vem de uma zona
específica da cidade de SP. Em estudo de campo, foi constatado que essa zona não
oferece sequer quadra esportiva em condições de uso para que esses jovens
tenham lazer. Hoje o lazer da periferia é participar de “rolezinhos” e comprar
artigos de “marca”, pois não são ensinados a valorizar o “ser” ao invés do “ter”.
O Estado não oferece o mínimo de lazer e cultura para que esses jovens não se
ocupem com coisas erradas.
A maioria dos
jovens infratores, em sua primeira entrevista, afirma que sua vida não vai
durar mais que 3 anos e que fatalmente terminará em algum dos 3 “c”: cadeia,
cadeira de rodas ou cemitério. Com essa perspectiva, eles não têm motivos para
deixar a vida do crime, pois querem aproveitar ao máximo o pouco que lhes
resta, ainda que seja tirando dos outros.
O PIA tem a
intenção de criar uma expectativa de futuro nesses jovens, mostrar
possibilidades de vida e germinar sonhos que os façam crer em uma vida melhor e
possível. Sem expectativa de futuro, não há razão para esforços. A profundidade desse plano está justamente em implantar nos jovens aquilo que o Estado não
conseguiu nas escolas e os pais não conseguiram em casa: uma meta de futuro.
Uma sociedade falida que não presta educação de qualidade e uma família
desestruturada há gerações, que não consegue transmitir ideais aos filhos,
precisa ser resgatada na última instância da vida, ou seja, na medida sócio-educativa,
quando o jovem já entrou no crime e agora tem como última esperança a
atuação das equipes multidisciplinares do PIA para torná-lo humanizado
novamente.
O depoimento do
coordenador da Fundação Casa traz esperança de ressocialização quando informa
que mais de 800 jovens infratores passaram no último ENEM e 40 no ProUni (para
educação superior). Mas, somente a educação obrigatória não conscientiza. O PIA
tem uma missão muito maior, de criar sonhos nesses jovens e a crença de que é
possível uma vida melhor.
O coordenador
diz que muitos jovens chegam à Instituição para cumprir medida de internação e
relatam querer apenas sorrir, pois os dentes estragados não deixam. Lá, passam
por cuidados com dentista e saem com os dentes bonitos e um pingo de esperança
nos olhos.
A situação
degradante da nossa sociedade, em razão do desleixo estatal com a saúde, a
educação e a cultura, se reflete nitidamente nesses jovens sem sonhos, com
desejos consumistas irreais e sem afeto ao próximo. No final da linha, existem
pessoas engajadas em melhorar o que poderia ter sido evitado muito antes.
Antes tarde do
que nunca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário