O terrorismo motivado pela
religião tornou-se um problema global. O terrorismo religioso (…) cresceu de
modo a desafiar a estabilidade política nacional e internacional durante os
anos 90 e no começo dos anos 2000. A frequência dos ataques sectários e as suas
vítimas cresceram rapidamente durante este período. (…) A violência religiosa
continuará a ser um aspecto central do terrorismo do século XXI. Os terroristas
religiosos tornaram-se também adeptos do recrutamento de novos elementos,
organizando-se em células semi-autónomas através de fronteiras nacionais, (…) e
atacando consistentemente alvos que simbolizam os interesses inimigos. (…)
Contrariamente às acções relativamente cirúrgicas dos esquerdistas seculares
dos anos anteriores, os terroristas religiosos provaram ser particularmente
mortíferos (...) Esta espécie de letalidade tornou-se um elemento central do
terrorismo religioso internacional.
Gus Martin (California State University),
Understanding Terrorism , 2003, p. 389.
De fato, paralelamente aos
veementes apelos à paz e à fraternidade e à superação moral do Homem, a origem
da violência religiosa (pelo menos simbólica) reside nas próprias raízes da
super-estrutura religiosa e do seu imaginário, particularmente nas imagens de
morte que estão no cerne das religiões (Juergensmeyer). Assim, a violência existente em muitos textos
religiosos é indesmentível e mesmo a história de algumas religiões está semeada
de episódios violentos, desde o seu início, incluindo “mandatos divinos de
destruição” (M.J.).
Desde logo, importa recordar as
teorias clássicas de:
- Émile Durkheim (Formes
élémentaires de la vie religieuse, 1912), a separação entre o sagrado e
profano.
- Rudolf Otto (O Sagrado, 1917),
o “numinoso”, o “totalmente outro”, a ambivalência do sagrado, “tremendo e
fascinante”.
- Freud: pulsão de vida e pulsão
de morte; eros e tanathos.
- Mary Douglas (Purity and
Danger, 1966), o puro e o impuro, poluição e “tabu”; anomalias e abominações.
E as teorias mais recentes de:
- René Girard (La Violence et le
Sacré, 1972), da “violência (recíproca indiferenciada) mimética” ao “mecanismo
(purificador e pacificador) da vítima expiatória ou emissária” (“que está na
origem da sociedade, da cultura e da religião”); a morte sacralisadora (“por
ser morta, é que a vítima é sagrada”); o rito religioso como comemoração
simbólica dessa violência fundadora, “visando acalmar a violência e impedi-la
de se desencadear”; o sacrifício e os ritos sacrificiais; a violência
sacrificial; sangue e ritos sangrentos; bodas e realeza sagradas: a morte do
Rei (“o rei é sagrado porque vai ser morto”) - Ver também o artigo de Alfredo
Teixeira “Violência e Cultura” in Religião e Violência, Peter Stilwell e
outros, Universidade Católica Portuguesa, 2002.
- Maurice Bloch (Prey into
hunter, 1992/La Violence du Religieux, 1997), “núcleo do processo ritual”, a
“estrutura mínima fundamental dos rituais” (“quase-universal”), em três fases:
1ª. violência) “a dicotomização interior ao participante”; 2ª. violência) “é dada
ao iniciado a parte transcendente da sua identidade a qual passa a dominar ao
longo da sua vida”; 3ª. violência) a “violência de retorno” (que está na origem
da violência religiosa), isto é, “o consumo agressivo de uma vitalidade
adquirida, que é diferente daquela que foi perdida à partida”; iniciação: da
morte para a vida: “inversão do processo natural”.
2) Religiões históricas e
violência nas três religiões do Livro (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) o
Hinduísmo, etc. (cf. dir. Anand Nayak, Religions et violences, 2000).
- A violência pode nascer em “religiões duras” – opostas às religiões
“doces”, em que existe um harmoniosa articulação entre as esferas divina,
humana e natural - ou nas facetas “duras” das religiões, a saber, naquelas em que a submissão à autoridade
divina é mais forte, conduzindo à repressão, ao proselitismo e à segregação
(estabelecendo a distinção entre “eleitos” e “malditos”). As formas religiosas
que têm um Deus transcendente parecem conduzir mais à violência do que aquelas
que apresentam um Deus imanente.
- “A doutrina religiosa pode estar na origem de violência, pois ao ser
uma origem de salvação, ela dispensa verdades, que pela sua natureza se
apresentam como absolutas e universais, às quais se acrescentam leis e
obrigações que regulam a prática religiosa. Por vezes, se a doutrina pode
conduzir à paz e ao amor, a prática pode conduzir à discriminação e à
violência, tal como a institucionalização da religiões e as relações de poder a
ela associadas.
- “A relação do poder com a
religião pode dar origem à violência, até porque os símbolos religiosos, se
podem conduzir à paz e à harmonia, são também extremamente poderosos no suscita
do ódio e da violência – o poder dos símbolos (religiosos).
Textos religiosos (das “grandes
religiões”)
- Judaísmo: a Tora (o Antigo Testamento):
Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé
(Deut. 19, 21), Mas as vidas destes povos que o Senhor te dá como herança são
as únicas onde tu não deixarás subsistir nenhum ser vivo (Deut., 20, 15-18),
- Cristianismo: o Antigo Testamento e, também, o Novo Testamento,
pe., Cristo não traz a paz, mas o fogo e
a espada (Lucas, 12, 49), a expulsão violeta dos vendilhões do Templo
(Marcos, 11, 15-17). Acrescento a Batalha de Jericó em que Josué grita ao povo:
“O senhor vos tem dado a cidade...Toda a
prata, o ouro e os vasos de metal e de ferro são consagrados ao senhor. E tudo
quanto havia na cidade destruíram totalmente ao fio da espada, desde o homem
até a mulher”. (Ainda se esse episódio ficasse esquecido no meio de tantos
outros que os próprios cristãos se envergonham da bíblia, mas a verdade é que
essa conquista de Jericó é exaltada e cantada em todas as escolas dominicais
batistas, para crianças aprenderem desde cedo a GUERREAR pelo senhor...)
- Islamismo: o Corão, a “jihad”, Combatei
no caminho de Deus os que lutam contra vós …Deu não ama os transgressores.
Matai-os sempre que os encontreis… Se eles vos combaterem, matai-os: tal é a
retribuição dos incrédulos (II, 190-191), malditos (os hipócritas) onde quer
que se encontrem, eles serão capturados e mortos segundo o costume de Deus…(XXIII,
60-62).
- Hinduísmo: os sacrifícios védicos e as guerras do Mahabarhata.
- Fundamentalismo: é reativo à
modernidade e utiliza seletivamente os textos religiosos – que considera terem
uma origem divina e, logo, inquestionáveis – que sejam apropriados ao combate
contra a modernidade. Além disso, os
grupos fundamentalistas definem o mundo de uma maneira dicotómica ou
“maniqueísta”: as coisas e as pessoas, são boas ou más, verdadeiras ou falsas,
luminosas e obscuras, puras ou impuras, fiéis ou infiéis, etc., etc. Os
fundamentalistas definem-se a si próprios como participantes numa luta sem
compromisso para defender os primeiros contra os segundos.
Para os terroristas religiosos,
eles estão participando numa “guerra cósmica” (M.J.), um confronto escatológico
entre as forças do Bem e do Mal que exige o martírio e o sacrifício dos seus atores.
A religião é um meio privilegiado como agente de honra – que vinga a dignidade
(religiosa, política, social, nacional, económca, etc.) e afirma a identidade,
passando simbolicamente da humilhação à afirmação identitária absoluta, sagrada
(cf. o “eu sagrado chamânico” de Jacob Pandian, Culture, religion and the
sacred self, 1991) - e também de legitimação da resistência, da luta, da guerra
– que é tremenda e fascinante.
O fundamentalismo é (não apenas,
mas também, dizemos nós) um produto da frustração (com a falta de
perspectivas), da humilhação e das condições retrógradas e existem muitas
forças sociais e políticas no mundo islâmico determinadas a fazer progressos no
sentido de reduzir ou talvez mesmo erradicar o fundamentalismo.
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- dir.
Anand Nayak, Religions et violences, 2000
“Como cada nova geração de
crianças aprende que as proposições religiosas não precisam ser justificadas,
como todas as outras precisam, ainda está sitiada pelo exército dos
irracionais. Estamos agora mesmo nos matando, por causa de literatura da
Antiguidade. Quem imaginaria que uma coisa tão tragicamente absurda seria
possível?” DEUS- Um delírio - Richard Dawkins